Nesses 20 anos como empresário, alguns fatores marcantes contribuíram para o amadurecimento de minha gestão: posso citar o casamento, pois gerir uma relação não é algo simples como todos sabemos; os dois MBAs que fiz logo após terminar minha formação em Ciências da Computação, um de Gestão Empresarial e Marketing e outro de Gestão Estratégica de Factorings, pois a troca de experiências profissionais geram mais conhecimento que muita teoria; a paternidade, já que educar crianças é algo que acrescenta muito em nosso dia a dia profissional: ser mais paciente, tolerante, comedido e outras virtudes; e o motociclismo, minha outra grande paixão. Esse será o foco desse artigo, em que descreverei com mais detalhes como apliquei os ensinamentos que conquistei nos anos de empresário e com o que aprendi nesses seis anos em duas rodas. O difícil é saber quem ajudou mais um ao outro, se o empresário ao motociclista ou o motociclista ao empresário... Por várias vezes fiz mentalmente essa analogia entre o que estava vivenciando em duas rodas e a gestão da minha empresa, fui anotando tudo para um dia escrever algo mais elaborado e, enfim, acho que chegou a hora.
Se você não gosta de moto, continue lendo, pois certamente gosta de sua empresa, deve gostar de viajar, mesmo que de carro.
Revendo meu material do MBA de Gestão Empresarial e Marketing feito no IBES em 2003, na disciplina de Gestão Estratégica do Dr. Edgar J. C. Menezes encontrei essa frase: Fazer Estratégia significa definir o ONDE se quer ir e o COMO chegar até lá. Será que tem tudo a ver com o Motociclismo esse negócio de Empresas?
Organizar uma viagem grande de mototurismo é mais ou menos como abrir uma nova empresa, ou prefiro dizer: criar um novo produto para nossa empresa. A pré-viagem exige, igualmente, um planejamento detalhado, algo como um plano de negócios dentro de um planejamento estratégico. Na jornada, entram todos os conhecimentos de gestão, monitorando, avaliando, alterando metas, compartilhando e ajustando tudo que não estiver dentro do planejamento inicial. Por fim, depois de retornar, vem a fase de avaliação e análises, onde surgem as melhorias para a próxima empreitada.
Lembrete: Um plano de negócio é um documento que descreve por escrito os objetivos de um negócio e quais passos devem ser dados para que esses objetivos sejam alcançados, diminuindo os riscos e as incertezas. Um plano de negócio permite identificar e restringir seus erros no papel, ao invés de cometê-los no mercado. Em um modelo simplista, os principais planejamentos a serem analisados para um novo negócio ou produto são: O empreendimento, os profissionais, metas e objetivos, a análise de mercado, o plano operacional, o plano financeiro e a avaliação estratégica.
Seguem minhas analogias.
O Empreendimento, Metas e Objetivos - roteiro - Viajar de moto é diferente de outras viagens, pois o roteiro é tudo: o destino é apenas o ponto de início do retorno, o meio da viagem. Normalmente, todos os dias temos destinos e novidades para se ver e aproveitar, e isso excita, impulsiona, não nos deixa cair na mesmice, na acomodação. Elaborar o roteiro exige muita atenção, pois temos que pensar em vários pontos como tempo disponível, estradas, hotéis, altitudes, clima e outros fatores.
O roteiro tem que atender a expectativa de todos que vão participar dele: paisagens, culturas, e gastronomia são alguns indicadores. Viajar mais quilômetros por dia ou ficar mais tempo em cada parada? Isso depende do objetivo que o grupo deseja com a viagem. Quando se pensa em criar um novo produto ou ramo de negócio um dos pontos principais é a meta e o objetivo, o que se quer, quem é o público-alvo; tudo isso tem que ser previamente analisado, para não se criar algo que vai atender apenas a expectativa e necessidade do empreendedor. Muitas vezes se cria algo pensando em retorno a curto prazo, e o mercado entende isso como algo de longo prazo. Logo, imagina-se algo que é de extrema necessidade ao usuário, mas ele entende como algo mais apenas. Isso infelizmente é bastante comum e deve ser previsto.
Um objetivo e um bom roteiro
Exceto que na empresa não dormimos no mesmo quarto, com o cara roncando ao lado. O maior problema geralmente é no final da viagem, quando todos já estão mais cansados e ansiosos para voltar para casa. Veja, essa situação é muito similar no mundo empresarial: depois de alguns anos de empresa, algumas pessoas começam a se estressar por motivos pequenos, por vícios adquiridos ao longo dos anos. Como mudar isso? Bom, manda ele virar motociclista... Ou tem que se criar um novo desafio, algo que estimule o profissional a se aventurar por um novo caminho na empresa, enxergar novos rumos.
A escolha dos parceiros certos
Plano Operacional - Escolha da moto certa ou do roteiro de acordo com a moto - Vemos muito isso nos negócios: ou escolher novos produtos que não têm relação com o foco da empresa nem com o mercado, ou usar ferramentas erradas para gerir, o que certamente vai gerar problemas ou aumentar demais o risco do negócio. No meu ramo empresarial, que é de TI, vemos muitas empresas deixando de diminuir seus riscos, diminuindo a rentabilidade, pois insistem em usar ferramentas defasadas ou não dimensionadas para seu negócio, não investem em infraestrutura e segurança, muito menos no treinamento dessas ferramentas.
No motociclismo é igual, mas dependendo da moto o roteiro tem que ser diferente: estradas que incluem terra ou rípio só devem ser feitas em motos tipo bigtrail, com pneus dimensionados, acessórios de reparos, entre outros. Sei que aqui muitos vão criticar dizendo que até de Biz, custom ou outras já fizeram esses caminhos, mas meu foco aqui é empresarial, e no meu entendimento fazer algo onde se aumenta o risco a extremos não é um bom negócio. Outro ponto é a relação potência/peso: se vai ficar muitos dias e a viagem vai ser com garupa, uma moto de baixa cilindrada vai sofrer demais, aumentar a probabilidade de pane, aumentar o risco em ultrapassagens. Igualmente adquirir um sistema “meia boca” para gerir um negócio que gira milhões em carteira, falta potência, controle.
Outro ponto importante a ser considerado é o planejamento de manutenção da moto, algumas exigem troca de óleo a cada três mil quilômetros, outras a seis ou dez mil: cabe avaliar se o roteiro vai contemplar oficinas especializadas, caso a moto ainda esteja na garantia.
A mesma coisa acontece com as viagens: se faz necessário analisar, prever e dimensionar. Ferramentas mínimas necessárias (arame, corda, alicate, chaves de roda etc.), reparador de pneu, lâmpada reserva, entre outras. Se for pegar trechos noturnos, faróis auxiliares, protetor de farol, protetor de motor com descanso de perna; se parte do roteiro é off-road, pneus apropriados. Prevendo frio, uma pequena barraca, manta térmica, cantil. Aqui poderia descrever inúmeros outros exemplos, mas o importante é, como disse anteriormente, analisar, prever e dimensionar.
Plano Operacional - Treinamentos - Não basta ter um bom equipamento, acessórios disponíveis e não saber usá-los de forma correta. Tentativa e erro em situações críticas é inviável. Ter um treinamento de pilotagem em asfalto, chuva, off-road, saber usar a frenagem corretamente, ABS, trocar um pneu, reparar furos, trocar óleo, ajustar a corrente; investir em treinamento sempre tem retorno.
Em nossas empresas geralmente usamos um pequeno percentual das ferramentas que temos disponível, e muito por falta de conhecimento. Outra situação é que, com a rotatividade de colaboradores, o conhecimento vai se perdendo com o tempo. Por isso é importante reciclar sempre os treinamentos, nas diversas áreas da empresa, sejam operacionais, gerenciais e até em nível estratégico. Quanto mais estamos treinados, mais estamos preparados para os imprevistos.
Treinamento off-road
Estudar o roteiro, seus povos e culturas, as estradas, postos de abastecimento, policiamento, o clima da região na estação escolhida é muito importante. Aqui darei um exemplo mais específico: é muito comum viagens pela América do Sul, cruzando algum dos Pasos dos Andes. Chega-se a altitudes acima dos quatro mil metros de altitude do nível do mar, e nesses locais existe o Soroche (mal das alturas), efeitos causados pela dificuldade do organismo em absorver oxigênio, que pode ser letal. Aliada a isso, a mudança de temperatura entre o dia e a noite é absurdamente grande, variando mais de 30 graus muitas vezes.
Há vários casos relatados de viajantes que, avaliando de forma errada o ambiente, resolvem atravessar esses pasos no final da tarde, subestimando a travessia e achando que será feita em pouco tempo. No entanto, é comum demorar mais que o esperado, seja pela inconveniência do Soroche ou por se parar muito pela beleza dos locais, que nos forçam a tirar muitas fotos e filmar. Quando se percebe cai a noite, o frio intenso e congelante, o perigo de uma nevasca, falta de água e comida, o que pode ser uma armadilha fatal. Veja que, nesse exemplo, todo o risco desnecessário ocorre por falta de análise do ambiente antes e durante o projeto. Outro exemplo é o desgaste prematuro de pneus, devido a escolha de pisos diferenciados. Cabe aqui comentar que uma ferramenta de localização via satélite, como por exemplo o Spot, nesses casos, pode ser a diferença entre a alegria e a tristeza.
O ambiente muda
Espero que cada leitor desse artigo esteja fazendo suas analogias próprias, veja quantos exemplos cada um de nós temos em nosso dia a dia de trabalho ou de viagens.
Plano Financeiro - Esse item exige extremo cuidado ao ser analisado. Não que os demais devam ter menos importância, mas, quando se mexe com dinheiro, qualquer erro pode ser desastroso. Em nossos negócios muito deve ser planilhado, desde os custos operacionais, custos fixos, custos extras, oportunidades, rentabilidade, e assim por diante. Às vezes não enxergamos onde está nosso maior ganho ou nossa maior perda. Em nossa carteira existem clientes que dispendemos muito recursos, sejam eles financeiros ou operacionais, e temos como retorno uma rentabilidade mínima, as vezes até negativa.
Outros clientes que dão uma enorme rentabilidade, segura, estão deixando de ser devidamente abordados. Nas viagens nos deparamos com algo parecido, localidades fora dos centros turísticos convencionais costumam ter um custo muito inferior e muitas vezes são tão ou mais belas, inóspitas e exclusivas. Uma viagem pode ter seu custo variado em mais de 100%, dependendo do padrão adotado de hotéis e refeições, que são os custos mais altos. Da mesma forma, uma ação de lançamento empresarial varia muito também, dependendo o público alvo, local de atuação, entre outros. Hoje, não se pode desconsiderar a internet, que traz resultados maiores a custos menores, e na maioria das vezes é desconsiderada pelas empresas: uma grande falha!
Avaliação estratégica - acompanhamento - No âmbito empresarial a avaliação estratégica visa monitorar, analisar, avaliar, corrigir e depois voltar ao ciclo novamente. Manter-se dentro do planejado ou desenvolver novos processos para novos rumos fazem parte. Não é nenhuma vergonha chegar em um ponto do projeto e verificar que se deve mudar de direção: temos que lembrar do ambiente mutável, que hoje pode ser bom, amanhã não e depois de amanhã, excelente.
Nas viagens algumas ações podem nos auxiliar: fazer reuniões durante o percurso para tomar decisões em conjunto, revendo locais, rotas e qualquer outro problema. Manter contato com um grupo externo, por exemplo, através do Facebook ou um blog pessoal, é muito interessante. Em uma viagem de mototurismo - ou viagem de aventura como alguns também chamam -, o número de fotos e horas de filmagens são enormes: ótimo, pois isso serve de material de análise, além de ser uma das coisas mais gratificantes e prazerosas da viagem. Sempre comento que viajo três vezes: uma no planejamento, uma na aventura e outra na elaboração do material de publicação (blog, fotolivros e DVD).
Quando se está elaborando esse material é importante avaliar tudo que ocorreu, anotar o que não foi feito dentro do projetado e analisar o que deve ser melhorado para a próxima viagem. Um exemplo simples: um dos maiores problemas dos motociclistas é espaço de bagagem, principalmente quando se viaja com garupa. A cada viagem se verifica que levamos mais da metade do que é necessário, por isso, se avaliarmos cada viagem, se consegue otimizar para a próxima. Não precisa usar a mesma roupa íntima quatro dias seguidos ok? Otimizar, não emporcalhar.
Outras virtudes adquiridas:
Paciência e Persistência - Fato que essas virtudes são fundamentais ao mundo dos negócios: não a acomodação, mas a paciência em esperar o melhor momento em agir, seja para lançar um novo produto, fazer uma contratação, uma compra ou algo do gênero. Muitas vezes agimos pelo impulso, e isso não é nada bom.
Para se ter uma ideia, o planejamento de uma viagem grande geralmente é em torno de um ano. No início, controlar essa ansiedade, principalmente quando está ficando cada vez mais perto, é muito difícil. Algumas situações exigem muita paciência, já que vários casos de bloqueio de estradas por obras, fechamento de pasos por causa de nevascas são comuns. Nessas horas, calma e tranquilidade são fundamentais. Com o tempo vamos aprendendo com essas situações e levamos esses aprendizados para nossas empresas, aprendendo a ser menos ansiosos e a esperar o momento certo das decisões.
Igualmente importante é a persistência: nem sempre os caminhos que escolhemos são os mais fáceis; na verdade quase nunca são. Exigem esforços, tempo e energia. A grande maioria desiste nesse caminho. Por isso que o índice de mortalidade de empresas nos primeiros dois anos de negócio é de quase 30% (Brasil, 2012). Quem já foi de moto ou carro até o Ushuaia sabe o quanto é dificil fazer os 1,8 mil quilômetros da Patagônia, com suas retas intermináveis e cansativas com ventos laterais que chegam a incríveis rajadas de 80 quilômetros por hora, mas depois, ao chegar lá e ver a beleza e grandiosidade do destino, percebe-se que tudo valeu a pena.
A abertura de um novo negócio ou produto exige no início o maior esforço, já que até se chegar ao seu ponto de equilíbrio muito esforço e dinheiro são necessários, e isso deve ser previamente planejado. Mas quem persiste colhe seus resultados depois.
Parceria - Nem sempre o melhor caminho é fazer tudo sozinho, aquela história de que "se quer bem feito faça você mesmo" não é realidade nas gestões. Divida os trabalhos, delegue, instrua e gerencie sua equipe. Troque o máximo de informações com seus colaboradores e parceiros. Assim funciona também na estrada, por exemplo, em um grupo existe o ponteiro (vai à frente) e o ferrolho (vai por último); cada um tem suas funções específicas e, se não trabalharem em conjunto, comprometem o grupo todo.
Proatividade - Nada melhor para te forçar a ser proativo do que uma situação imprevista, que deve ser resolvida de forma imediata e sem muitos recursos e pessoas disponíveis naquele momento. Parece desesperador, mas isso é muito comum em uma viagem. Com o tempo vamos aprendendo a lidar com isso e ficando cada vez mais eficazes nessas resoluções. A dica que dou para exercitar essa virtude é manter a calma, pensar com clareza e sem atropelos.
Hoje, quando um parceiro profissional me diz que temos um novo projeto, um grande desafio à frente... Ah, que alegria!.
Graduado em Ciências da Computação (FURB), Especialista em Gestão Empresarial e Marketing (IBES) e MBA em Gestão Estratégica de Factoring (IBES). Empresário administrador de empresa de sistemas de gestão (WBA) a 20 anos e atuou com professor universitário por 9 anos. Motociclista há 8 anos com mais de 62mil km de estrada rodados na América do Sul, incluindo Atacama e Ushuaia.
Pietro Carlo Paladini Sobrinho
www.pietropaladini.com.br
pietro.paladini@wba.com.br
Ótimo "comparativo" Pietro.
ResponderExcluirSucesso sempre na sua empresa, e nos
próximos planejamentos de viagens !
Abraço,
André Linck.
Pietro, faço minhas as suas palavras. Viajo muito e trabalho com desenho e planejamento de viagens, e devo dizer que concordo com você 100%. É bem por aí! E o seu comparativo com a gestão empresarial faz todo o sentido.
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